quarta-feira, 4 de novembro de 2020

A VIDA NO TERREIRO








Depois de muito tempo, pensando e repensando minha própria vida dentro do Terreiro, resolvi voltar a escrever. Escrevo porque há mensagens que sufocam. Há informações que são necessárias, mas acima de tudo, porque há muitas pessoas sem noção. 

De que é feita a vida dentro dos terreiros? 

A conservação da fé no ambiente afrocentrado, afrodescendente e afrorreligioso está intimamente ligado com trabalho. O desenvolvimento da fé se dá pelo trabalho, pela entrega, pelo serviço prestado ao santo. Porém, isso se dá com serviço prestado também às pessoas. 

Uma função religiosa (período de atividade ritual) é para o santo, mas também é para alguém, pra um irmão (secundariamente). 

O espaço religioso é, em suma, local de convivência. Convivência com o diferente. Convivência com pessoas totalmente diferentes, seja em identidade, hábito, formas de falar e levar a vida... Etc. E isso, por si só, já é bastante complicado. 

Nos momentos de nossas dores, nos voltamos ao sagrado e às pessoas que intermediam nossa fé com o sagrado, para que nos ajudem a solucionar nossas problemáticas. E vemos nossas adversidades como urgentes/emergentes, que precisam de resolução o mais rápido que o sagrado puder ajudar. Respeitamos nossas próprias dores e limites. 

Infelizmente, não é com o mesmo fervor que a maioria das pessoas veem as dores alheias. Assim, não conseguem desenvolver o senso de empatia e se colocar em serviço dedicado para solução da dor do outro. Hipocrisia. 

Quando um irmão se obrigaciona, também nos obrigacionamos porque isso significa Ẹgbẹ. Senso de coletividade, de sociedade. Seja um ẹbọ, um bori ou um Àjọ̀dún.

Muito da harmonia de um Terreiro se perde porque as pessoas não conseguem desenvolver seu próprio papel dentro da comunidade. Não conseguem pensar no sagrado. Anulando um pouco do egoísmo, egocentrismo, da vaidade. Para amar Òrìṣà é preciso amar pessoas. É preciso permitir que façam convívio e é preciso deixar o Aṣẹ (a força mística) fazer o seu trabalho exclusivo ou inclusivo para que as coisas ocorram de acordo com o desejo do Sagrado. 

'Pertencer' e 'ser' significam se anular e deixar as coisas fluírem. É preciso muita sobriedade para deixar o sagrado agir. Não cremos numa força superior egoísta, superficial e individualista. Mas numa força que preza, ama e forma coletividade. Ainda que haja percalços no caminho.


É preciso ser muito bom 'vodunsy' pra deixar o Aṣẹ acontecer... 


Boa noite!

Abrindo Temporada de novos textos!

Bàbálòrìṣà Tatto de Òṣóòsì

domingo, 24 de junho de 2018

VAMOS ARRUMAR A CASA?


UMA ANÁLISE ANTROPOLÓGICA

Ọ̀rọ̀ wèrè ló máa ńyàtọ̀, ti ọlọ́gbọ́n máa ńbá ara wọn mu ni.
As palavras dos tolos geram divergência, as palavras dos sábios geram união
(Provérbio Iorubá)


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(Imagem retirada do blog:Dinomar Miranda)


     Estamos vivendo tempos caóticos. Isso todos sabemos. Também ouvimos todos os dias que os candomblés (Os bons, é claro!) estão acabando e as diversas fontes de sabedoria estão se esgotando. Tradição oral em tempos de Google requer uma adaptação, porém essa adaptação não pode prejudicar os preceitos, dogmas, doutrinas e quaisquer outros segredos da Tradição de Matriz Africana, no Brasil.
      Todos os dias a nossa religião morre um pouco. Mas, somos mais que uma religião, somos cultura, somos identidade, somos uma totalidade gerada pelos diversos processos históricos no Brasil e no Mundo. E, claro, somos resultado dos desejos dos Céus para o planeta. Qual seja o nome: Destino, Linha Histórica, Causa e Efeito.
      Viveremos ainda tempos de muitas perseguições, tão mais intensas do que as que já vivemos há tempos. O Terrorismo Cristão tem invadido nossas casas e identidades por todos os lados, entrando pelas janelas, portas, frestas e quaisquer outros espaços que consigam dominar, como bactérias e vírus num corpo sem resistência.
            Isso mesmo! Somos um corpo sem muita resistência. 
   
     E, não dá pra aceitar esse problema imunológico que nossas Tradições vive, porque historicamente, culturalmente, somos uma Religião e de resistência. E, como tal, os problemas de intolerância que sofremos, também são problemas alinhavados com o racismo. Entretanto, isso quase todos nós também sabemos. Aqui mesmo já escrevi muito sobre esse tema. A questão agora é entender como superar os vilipêndios constantes que sofremos.

     PRECISAMOS ARRUMAR A CASA. Didaticamente, imaginando que o Candomblé seja uma casa, sabemos que não podemos exigir dos vizinhos organização de suas casas, ou mesmo compreensão, quando não a temos entre nós. Temos de nos respaldar nas regras de nossas tradições. E tempos de mudança certamente também são tempos de dor. 
   
     Nossos Terreiros precisam seguir as regras de nossas Matrizes, óbvio que regras dos tempos áureos (sem saudosismos ou com saudosismos). Não dá mais pra seguir um terreiro, cujas doutrinas e regras saem das cabeças amalucadas dos babalorixás. As regras precisam ser pautadas no reconhecimento da tradição, na construção da sabedoria, na transmissão do conhecimento pela oralidade e suas adaptações necessárias. Já não dá pra seguir uma religião que não se conhece.

      Para cada Ìyáwò burro, temos um Ègbón incompetente, ou ainda tão ignorante quanto.
      Para cada questionador, uma salvação.

      Quando o mais velho ignora a construção do seu conhecimento, se torna inútil para a manutenção das tradições. Quando o Ìyáwò busca o conhecimento, ele torna possível a luz para a manutenção da religião. Para cada louco que descumpre as mesmas doutrinas e regras, temos milhares que batem suas palmas. E esses mesmos milhares postam seu descontentamento com as vias que a Religião parece tomar. Hipocrisia? Ignorância? Conveniência?

     Também é conveniência quando apagamos os erros cometidos no passado, por quem quer que seja. O exemplo tem que vir de casa. Da Raiz. Não dá mais para nos apoiar nos alquebrados. 

    É necessário saber que, sofreremos muito enquanto a base, os mais novos, os ìyáwó, não se preocuparem com a construção de seus conhecimentos e enquanto os mais velhos estiverem mais preocupados com seus egos do que com a transmissão de seus conhecimentos. Para cada casa que suja o nome de sua tradição, também temos um Babalorixá conveniente com o uso do seu nome e de seus ancestrais. E isso qualquer pessoa, de ontem, como eu, pode perceber.
     
       Busquemos hoje, agora, uma casa que tenha responsabilidade com o conhecimento e aliança com a Matriz. Abandonemos os axés cuja história seja elíptica, desconhecida, distorcida e mesmo, suja. A morada do nosso santo não pode ser a morada das condutas trantantadas. 

quinta-feira, 12 de abril de 2018

POR QUE ESCREVER SOBRE CANDOMBLÉ É DIFÍCIL?





         É muito difícil falar de candomblé, visto que se trata de uma tradição expressamente oral e aprendida diariamente na convivência em comunidade, nas funções religiosas. A função religiosa é todo preparativo ritualístico ou não que torna possível a existência do candomblé e sua apresentação à sociedade, seja a sociedade correligionária ou mesmo a civil, não pertencente, de maneira iniciática à religião.

            A história não está ligada ao homem, nem a qualquer objecto em particular. Consiste inteiramente no seu método; a experiência comprova que ele é indispensável para inventariar a integralidade dos elementos de uma estrutura qualquer, humana ou não humana. Longe portanto de a pesquisa da inteligibilidade resultar na história como o seu ponto de chegada, é a história que serve de ponto de partida para toda a busca de inteligibilidade. Assim como se diz de certas carreiras, a história leva a tudo, mas contanto que se saia dela.

Claude Lévi-Strauss, in “La Pensée Sauvage (1962)



            Para Strauss (1962), a história por si só não está ligada ao homem, talvez pelo fato dela ser associada ao relato unicamente, ou estabelecer um parâmetro temporal e se preocupar com o método. Assim, quando se escreve, se relata, historicamente. É a partir da história que se ressalva aquilo que aconteceu, a forma que aconteceu e como foi o sentimento no ocorrido. Entretanto, para seu biógrafo, Denis Bertholet, Strauss tem em sua obra um enfoque que se debruça sobre o homem e sua construção, dissociando e associando o indivíduo à sua obra, com fusão e com fissão. Produto e produtor. Esse é o papel da Antropologia. Encontrar a si mesmo dentro dos padrões culturais e analisá-los dessa forma. Talvez o que haja de mais verdadeiro seja toda essa subjetividade envolvida no viver.

            No caso do candomblé, a sua história ritualística é acabada, ou seja, está construída e respaldada, entretanto o aprendizado de tudo (ritual, dança, língua, canto, comidas...) se dá de acordo com o tempo e vivência, numa ode a senescência, como já descrito neste blog. Assim, quando eu falo sobre a religião, represento, com ou sem autorização, todos os meus ancestrais, sendo eu digno ou não de tal fato. Outrossim, estou sobre o julgamento dos meus iguais ou superiores. Isso porque a tradição é oral e vivida, não registrada.

            Resumidamente, falar sobre candomblé é falar sobre resistência, história, vivencia e segredos. Assim  as barreiras são tantas e tamanhas. Cada palavra deve ser medida a fim de não destruir ou manchar o nome dos ancestrais da pessoa que fala. Nem pôr o que foi dito em situação de dúvida ou efeito falacioso.


Bibliografia:

https://www.comunidadeculturaearte.com/as-teorias-e-conceitos-de-claude-levi-strauss/
https://www.britannica.com/biography/Claude-Levi-Strauss
https://www.terra.com.br/noticias/mundo/europa/saiba-mais-sobre-levi-strauss-o-pai-da-antropologia-moderna,004d43e78784b310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html
imagem: https://br.pinterest.com/pin/84724036719032407/

terça-feira, 12 de setembro de 2017

VILIPENDIARAM NOSSAS TRADIÇÕES...



Resultado de imagem para xango Carybe
Xangô - De Carybé (!?)


     Há muitos dias nós temos ido dormir com certo rancor, ódio e desejo de vingança. Se isso é certo ou não, nesse momento não há como afirmar. Nossas tradições vem sendo fisicamente vilipendiadas, porque moralmente há anos acontecem ações de aviltamento, menosprezo e indignidade. TODOS OS DIAS, nas televisões, nas igrejas, pelos vizinhos... o cristianismo parece receber seu 'espirito' assassino e destruidor no afã de causar destruição por onde passa.
    As principais heranças que podemos perceber estão entre a destruição do continente africano e seu povo, o racismo, a segregação cultural, guerras, guerras, guerras e mais guerras. A bíblia, tida por muitos como o livro da verdade, a vontade de Deus e tudo mais, parece ser um instrumento maligno que guia cegos e analfabetos a criarem facções e distribuir o mal, fazer mal, causar mal. Eles não ligam se minha mãe, ou a sua mãe - Querido Correligionário! - vai dormir com medo ou permanece com medo, enquanto estamos em nossos terreiros ou voltamos deles para casa. Porque hoje, parece que podemos não retornar em segurança, ou com vida.
     Portar nossos fios-de-conta, nossas roupas africanas, os torços femininos, ou mesmo as roupas brancas, se mostra mais perigoso do que o era nos tempos da escravidão. Estamos vivendo no caos há muito tempo. E, do nosso lado, ouço apenas SILÊNCIO.
     A vingança gera mais comoção, mais atrito e fere inclusive os inocentes. Há muitos cristãos de boa índole, de caráter e com espirito de afabilidade, de respeito. Há também os tolerantes, que cumprem sua função de respeitar, mesmo que saibamos ou percebamos que trata-se de uma medida apenas política mas, estes não nos ferem tanto, nosso lombo tem ficado duro após tantas chibatadas ao longo dos anos.
     Em Santa Luzia, região metropolitana de Belo Horizonte, em Minas Gerais há uma ação judicial que impediu o culto religioso das tradições africanas. Isso mesmo!!! Em 2017!!! Mais precisamente em Julho. Quando a própria Constituição Federal, em seu Artigo 5º, VI, apregoa que a liberdade de culto e o livre exercício das religiões são invioláveis, bem como os locais de culto. Mas, a quem recorrer?
    Essa semana (primeira quinzena de setembro de 2017) assistimos cenas fortes de destruição de terreiros, seus espaços sagrados, seus quartos de santo, ibás (assentamentos), ilekes (fios), kelês... Cenas fortes. Que me levam a reflexão que esses mesmos homens jamais o fariam com os espaços sagrados dos Muçulmanos - Aprendamos irmãos! - ou mesmo o Vaticano, pois estas tradições tem proteções que nos parecem impossíveis de acessar. O processo histórico nos mostra isso.
     Uma mulher teve seu kelê arrancado do pescoço com um revolver! COM UM REVÓLVER! Isso é estarrecedor. O Cúmulo. Não podemos ficar de braços cruzados. 
     Estou profundamente triste, com certo rancor e amargurado com os ocorridos. Espero que, em breve, possamos lograr êxito em nossas intenções de respeito e proteção. Ainda que, QUALQUER COISA que seja feita agora, jamais sanará nossas perdas, nossas dores, nosso sofrimento com relação ao desrespeito com o sagrado. Afinal, nunca ouvimos dizer que um omo orixá, um filho ou pai de santo, invadiu ou interrompeu uma igreja ou um culto, ou mesmo humilhou cristãos, em virtude de suas tradições.
    Que a Justiça de Xangô seja feita. Que sua ira se divida entre os vilipendiadores e seus intervenientes.


TATTO BARROS

https://extra.globo.com/casos-de-policia/policia-identifica-suspeitos-de-ataques-contra-terreiros-na-baixada-fluminense-21818164.html
https://www.brasildefato.com.br/2017/07/25/em-santa-luzia-regiao-metropolitana-de-bh-justica-impoe-dias-e-horarios-para-cultos/
http://cbn.globoradio.globo.com/editorias/policia/2017/09/13/CRIMINOSOS-OBRIGAM-MAE-DE-SANTO-A-DESTRUIR-PROPRIO-TERREIRO-EM-NOVA-IGUACU.htm


terça-feira, 18 de julho de 2017

UMA ODE AOS NEÓFITOS



Há algum tempo, escrevi uma Ode aos Antigos e Sábios. Alguns amigos e irmãos de religião vieram a mim e contaram suas histórias de respeito aos mais velhos, dedicação e afeto emprestados aos antigos dentro das tradições, conforme manda o figurino. Entretanto, com o tempo, perceberam que dali não sairia sequer uma fagulha de conhecimento, ou mesmo, tiveram a percepção de se tratar de um sacerdote que não tinha conhecimento algum para oferecer. O que fazer? Como agir? Todos os antigos são dignos de nossa devoção e fidelidade?
“O preço da fidelidade é a eterna vigilância”, Millôr Fernandes nos empresta sua sabedoria para mostrar que ainda que nós sejamos fieis, dedicados e reverentes dentro de nossas crenças, sejam elas quais forem, observar atentamente os passos dados e as mãos acolhedoras também se faz necessário. É com pesar que lemos todos os dias os sacerdotes ou oloyês nas redes sociais falando mal ou ensinando um Ìyáwò ser um bom Ìyáwò, sem que entretanto tenha aprendido a ser um bom pai/mãe/orientador, ou mesmo ser exemplo, ter caminho e conduta ilibada.
Isso talvez explique a famosa sentença da pesquisadora visionária da Umbanda, Martha Justina, que alega que a “A lei da umbanda também segue seu curso evolutivo, saindo das grotas, das furnas, das matas,  abandonando os anciões alquebrados, fugindo dos ignorantes, quebrando as lanças mãos dos perversos (...)” (Justino, 1942). Obviamente, ressalvam-se as ideias positivistas e racistas empregadas na origem da religião brasileira, buscando o distanciamento da sua natureza africana, mas demonstra que, o Candomblé está nas mãos de poucos anciões e sábios, que já estão partindo, enquanto alarga-se a presença de sub-candomblés, formados e compostos por pessoas que não tem qualquer aliança com os antigos e sábios, ou mesmo com as Casas Matrizes da tradição.
Vemos hoje, inúmeros membros que não sabem se vestir, se comportar, rezar, cantar... Que não sabem axé. E isso é um constante retrocesso e mesmo o pontapé inicial de uma religião/cultura tradicional que assiste seu fim.
   Respondendo às perguntas iniciais, quando há um interesse de ingresso ao candomblé devemos, antes de tudo, fazer uma investigação de vida pregressa do bàbálòrìṣá, Ìyálòriṣá, temos de saber se são de raízes confiáveis, de tradição e respeito; há a necessidade de saber se são bons filhos, trabalhadores em seus aṣé ou são apenas os visitantes (filhos-clientes). Temos de saber se cumprem com os requisitos da matriz que dizem pertencer, ou se, com frequência, tem acesso aos novos saberes de seu aṣẹ́. Há vários sacerdotes que nunca frequentaram uma casa, como filhos, nunca lavaram, passaram, limparam. Nunca lavaram sequer uma louça na casa onde foram feitos. Nunca viveram uma função como filhos, bons e dedicados. Simplesmente, compraram seu passe de Sacerdotes. Não viveram o que é ser de candomblé e suas superações diárias.


"No candomblé, é a gente que se supera, não tem que superar o outro, tem que superar a si próprio. Não tem que tentar superar o outro com essa questão de valores materiais, não tem nada disso. E eu nunca tive essa pretensão. A minha alegria era servir ao orixá e à minha mãe-de-santo, fazer as coisas dentro dos parâmetros certos." (Mãe Stella de Oxosse, por Mariano, 2001)


      Infelizmente, pode ser que descubramos tardiamente, entretanto, sempre é hora de recomeçar. Procuremos lugares sérios, idôneos, onde a religiosidade se sobrepõe a vaidade e à precificação da coisa sagrada. Lugares de fé e fato. 
       Há uma frase famosa de Leonardo Da Vinci que expressa justamente o sentimento, a sensação de pertencer ao que é retilineo, sábio e valoroso. Ao que é respeitado não por nome (apenas) mas, por valor de tradição, confiabilidade e referência: "Uma vez que você tenha experimentado voar, você andará pela terra com os olhos voltados para o céu. Pois, lá esteve e para lá deseja voltar".
       Devemos respeitos aos mais velhos, àqueles que chegaram antes de nós nas tradições. Sempre. Porque cada um só pode dar aquilo que tem. Mas, faz-se necessário enfatizar que não dá para viver nas trevas do conhecimento. Trabalho, fidelidade, dedicação devem resultar em saber. Assim sempre foi o candomblé, assim deve permanecer.
       CONCLUINDO, desejo que todos os novatos, sejam eles abiyan ou ìyàwó ou ainda ègbón, encontrem seus lugares. Em conformidade com a religião e seus pressupostos, em aṣé, em trajes, em essência, em respeito às tradições. E, que a cada segundo estejam aprendendo como se aprende na mais profunda raiz que deu origem a sua pertença.


TATTO BARROS


REFERÊNCIAS:

JUSTINA, Martha. Atualidade da Lei de Umbanda. In: Primeiro Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda. Trabalhos apresentados ao 1º Congresso Brasileiro do Espiritismo de Umbanda, reunido no Rio de Janeiro, de 19 a 26 de outubro de 1941.Rio de Janeiro: Jornal do Comércio, 1942, p. 93-4

MARIANO, Agnes. Entrevista com Mãe Stella de Oxosse. In:https://historiasdopovonegro.wordpress.com/fe-2/no-candomble-e-a-gente-que-se-supera-nao-tem-que-superar-o-outro-entrevista-com-mae-stella-de-oxossi/ . Em 2001.

quarta-feira, 5 de julho de 2017

CANDOMBLÉ: Ode à Senescência em tempos de Asilo!




"A cultura é o melhor conforto para a velhice"
Aristóteles




Luz Negra - Rogério Braga


Vivemos em tempos em que, a cada hora, o número de idosos cresce em asilos, como se a família não tivesse tempo para cuidar dos seus. Assim, junto a velhice vem a solidão, o abandono, a tristeza... que acometem a saúde não só mental do idoso.
Nesse instante em que o jovem se dissocia cada vez mais da família, das tradições, dos propósitos espirituais (não faço apologias religiosas nessa expressão), filosóficos e, muitas vezes, sociais, o candomblé vem à tona com sua supervalorização dos idosos. Uma valorização que emprega uma carga moral à religião, que só sobrevive pelas questões orais, preservadas e professoradas pelos mais antigos. Assim, teoricamente, quanto mais antigo mais sábio, uma enciclopédia viva de todo teor teológico e teosófico de nossas tradições.
As profundas transformações sociais em que vivemos tem balançado nossos conceitos de família e mesmo, de responsabilidade. Zygmunt Bauman, um pensador, sociólogo da contemporaneidade, desenvolveu um conceito que é muito bem aplicado para este momento: Modernidade Líquida. Que se refere às constantes necessidades de transformações para adaptação ao meio. Uma teoria muito interessante que define a atualidade.
Os conceitos morais/éticos parecem estar cada vez mais abalados, ou mesmo relegados ao segundo plano, perdendo para o bel prazer, satisfação momentânea ou para o mercado. A família hoje, tem se colocado muito mais para o trabalho que para a própria valorização da vida, da felicidade ou mesmo do cuidado e manutenção dos laços. Os pais contratam profissionais para a educação dos filhos, dão às escolas a responsabilidade sobre a formação moral, ética, profissional, porque educar dá trabalho e exige tempo. Justamente nesse instante, o afeto é rompido. Lacan, um grande psicanalista francês, emprega em suas obras que o papel dos pais está também em castrar o excesso de liberdade, valorizando a união, o respeito, a ordem que começam dentro de casa. Não há rédeas que segurem um adolescente sem limites ou noção de respeito. Tudo começa pela boa educação e respeito professorados pelos responsáveis.
E nesse orbe de pensamento compreendemos que o papel dos pais está por sobre além de bancar uma educação, saúde, segurança de qualidade fora de casa. Eles devem, dentro de seus lares, ensinar o respeito e a valorização dos laços, dos avós, tios, primos, etc. Quando as noções do amor, respeito e valorização não estão bem empregadas esses mesmos pais colherão a amargura de uma velhice na solidão. Ou ainda, o afastamento afetivo antes dessa idade.
O candomblé, em contrapartida a tudo isso, é uma religião e cultura tradicional, onde a valorização do ancião (velho, idoso, antigo, agbá) se dá a todo instante. Porque onde a cultura é oral há a necessidade do culto e reverência às Bíblias Vivas.
Não comer antes do mais velho. Não se sentar na mesma altura que o mais velho. Não falar mais alto que o mais velho. Não se postar acima da cabeça do mais velho. Pedir licença ao passar pelo mais velho. Não se estabelecer numa conversa entre os mais velhos. Essas são todas lições que nos trouxeram até aqui, com a valorização da senescência associada com amor e respeito. Caso essa modernidade adentre em nossas tradições, ela pode nos afetar negativamente, fazendo-nos acreditar nos fundamentos teológicos de livros, ao invés de pessoas que se prostraram e viveram a religião durante as décadas da caminhada.

TATTO BARROS

domingo, 28 de agosto de 2016

O PRECONCEITO ÀS RELIGIÕES AFRICANAS

 REFLEXOS HISTÓRICOS E ANTROPOLÓGICOS


Certa vez Voltaire disse “Preconceito é opinião sem conhecimento”. Isso é indiscutível. Toda a gama de ações contra o povo de religião afro-brasileira não é mera ação religiosa, ou imbuída de uma fé, apenas. Se o fosse, já seria criminosa e imperdoável. Entretanto, trata-se do preconceito racial velado. Ação da sociedade como um todo, contra os negros e sua ancestralidade africana.
Exatamente assim. Trata-se de uma herança cultural, impregnada no cerne da sociedade branca, cristã e elitista. Percebemos assim que o que é do negro não é digno se comparado com o que pertence ao branco. Se uma pessoa se considera cristã, católica, judia, ou qualquer outra denominação, seja no trabalho, na família ou nas escolas, esta não sofre os olhares preconceituosos que um declarante de religião de matriz africana. Toda a visão torpe do pensamento vitimista deve ser abandonado para perceber que os seguidores do Candomblé e da Umbanda, em suma, por vezes mascaram sua fé e tradição em nome de uma visibilidade mais agradável aos olhos da sociedade.
No trabalho, muitos escondem suas tradições. Isso é um fato, inquestionável e claro. Evidente.
Se lançarmos um olhar sobre o passado, conseguimos entender os motivos. Os pretos, escravizados, deveriam esconder suas tradições, nas vestes e filosofias cristãs, impostas socialmente. Aquele que não se convertesse morria, sofria no tronco, não que, o então objeto tivesse alma, sobretudo para o agrado do capital, do senhorzinho, da burguesia e do patriarcado.
Portanto, o preconceito religioso atribuído às religiões de origem africana, são, em suma, formas veladas do preconceito racial, historicamente, antropologicamente, filosoficamente intrínsecos nas palavras e ações dos brasileiros. Thoreau disse, sabiamente, “nunca é tarde para abrimos mão de nossos preconceitos”, mesmo porque a origem deles, por vezes beira a animalidade ou o ridículo.
O preconceito religioso vem assolando a humanidade há milênios, o preconceito aos membros das tradições afro-brasileiras, pode começar uma guerra, mesmo que silenciosa. Pois, as batalhas e mortes, já vem acontecendo, há muito, de maneira elíptica, e poucos estão percebendo.

Tatto Barros